GENTE QUE QUER CRESCER

Wednesday, December 21, 2005

EM TORNO DO NATAL

"Pus-me a desembrulhar a vida, desfazendo-a dos invólucros que a encobrem até descobri-la no seu íntimo.
Não foi fácil. Primeiro, foram-se espalhando pelo chão pedaços de papel lustroso com restos de laçarotes. Era todo o mundo de aparências, feito de máscaras, de rótulos e de preconceitos. Depois, tive de rasgar o papel pardo das superficialidades, cheia de rotinas cinzentas, de cabeças baixas, de rostos anónimos, de corridas para aqui e para ali, por entre desencontros... Por fim, apareceu-me uma caixa de cartão com muitas palhinhas lá dentro. Eram todas as promessas e enganos, rodeadas de discursos de intenções, projectos que ficam no papel, palavras cheias de ruído mas vazias de força para mudar a mundo. Tirado tudo isto, pareceu-me que não havia absolutamente mais nada.
Voltei a pesquisar entre os pedaços espalhados pelo chão até que descobri um pequeno búzio, oculto entre as palhinhas. Era um búzio como tantos outros, memória do mar e sopro do sonho. Dias e dias, teho dedicado muitas horas a brincar com o búzio, procurando entendê-lo. Atá agora, aprendi que a sua voz só surge no meio do silêncio, fechando os olhos e apagando as imagens que me povoam o cérebro. De início, parece apenas o constante murmúrio das ondas nos rochedos. Às vezes cresce, transformando-se numa música suave, mas quase sempre o murmúrio vai-se esbatendo, pulsando rítmico como um coração, ou sugerindo o bater das asas de um pássaro, ou ainda a ternura que se exprime no leve tocar da pele. Só por uma vez já consegui acompanhar a voz do búzio até ao momento sublime da carícia do olhar. Nos meus olhos fechados, nasceu então, aos poucos, a imagem do presépio da minha infância, EM NOITE DE NATAL."
(António Cardoso Ferreira, em Viragem, nº 33, Dez. 1999)
Com este texto bonito, que nos fala da vida, (da nossa, da de muitos ou de todos), que nos faz recuar até às noites mais ou menos gostosas da nossa infância, desejo a todos os meus leitores um Natal com muita cor, com luz a jorros, daquela que ilumina por fora e por dentro e nos penetra desfazendo as sombras e transformando-as na aurora luminosa de um Novo Ano.

Sunday, December 04, 2005

MANDALAS

A mandala é uma figura simbólica que representa um círculo munido de um centro, à volta do qual se ordena um conjunto de formas. Esta figura encontra-se por toda a parte no Universo. da célula às plantas, passando pelas rosáceas das catedrais até à nebulosa astral. A mandala exprime ao mesmo tempo a unidade e a diversidade. C. Jung viu na figura simbólica da mandala uma confirmação da sua teoria do Ser: "...pelo facto de pressentir a existência de um centro da personalidade, uma espécie de ponto focal na psique ao qual tudo está ligado, pelo qual tudo se organiza e que é, ele mesmo, fonte de energia. Esta energia central manifesta-se por uma compulsão, uma impulsão quase irresistível de nos tornarmos aquilo que somos, da mesma forma que cada organismo é impelido a tomar a forma característica da sua espécie, quaisquer que sejam as circunstâncias".
Vem isto a propósito do meu gosto pelo desenho de mandalas. Gosto de ver o círculo a encher-se das formas mais fantasiadas e coloridas. Entre as que desenhei, alguém gostou particularmente de uma a que chamei EXPANSÃO - um centro amarelo que se vai alargando nas mais variadas e matizadas cores. Entra essas cores, uns raios negros que não atingem o centro.Pediram-me para repetir esta mandala, agora em tamanho grande, para uma parede da sala da UNIPAZ, em Lisboa. Estive a fazer isso. À medida que ia desenhando era como se contemplasse o meu próprio SER em expansão, abrindo, abrindo... até ao limite. A certa altura, verifiquei que os raios negros não chegavam ao centro da mandala. E perguntei-me porquê? Claro, para mim, esses raios negros são um símbolo de tudo quanto ainda existe para clarear. Mas isso não podem atingir o CENTRO. Aí só há luz. Uma luz intensa, forte, que vai afastando as sombras para recantos cada vez mais longínquos.

COISAS BONITAS

Há tempos, uma amiga pediu-me para ir visitar uma senhora idosa sua conhecida que estava muito só e muito deprimida. Embora não sendo a minha área específica, lá encontrei um bocadinho para a ir visitar. Conversámos, deixei vir cá para fora uma parte da solidão em que mergulhava e, fui mantendo o contacto telefónico. Ao fim de umas semanas as coisas normalizaram um pouco, com melhor assistência familiar. Há dias, veio novo S.O.S. A senhora estava novamente numa grande depressão. O peso dos 80 anos, a ausência de familiares, de amigos, de contactos...Teve uma vida sempre só: ela, o marido e uma filha. Quando estes faltaram, foi o escuro total. E a depressão vai fazendo o seu caminho com vais-vens cada vez mais graves e mais frequentes. E lá fui eu novamente, desta vez com mais alguém que me poderia ajudar na tarefa de um acompanhamento mais regular e na procura de soluções para minorar esta solidão. Foi uma tarde inteira, ouvindo pensando soluções. Foram encontradas algumas. Já à noite, num último telefonema, a senhora pediu-me para continuar a telefonar-lhe...Acabei de o fazer, hoje, Domingo, por volta das 16 horas. Falámos, senti a sua voz mais animada e disse-me com uma certa alegria: olhe hoje já ouvi um bocadinho de música! Fiquei contente e animei-a. A despedir-se, diz-me: "Olhe, arranje sempre coisas bonitas para me dizer". Desliguei enternecida, com as lágrimas nos olhos. E pensei: Quanta gente estará neste momento às espera de alguém que lhe diga coisas bonitas, coisas que ajudem a viver, a aliviar o peso da vida. "Arranjemos coisas bonitas" para nos dizermos uns aos outros. A vida será muito mais leve.