GENTE QUE QUER CRESCER

Sunday, March 30, 2008

DESCASCANDO A CEBOLA

Quando nos voltamos para dentro de nós em busca de quem somos, é como se fossemos descascando uma cebola.

"Capote sobre capote,
capote do mesmo pano,
se não adivinhares agora,
não adivinhas daqui a um ano...
Só se eu to disser".

Rezava assim uma adivinha da minha infância com que nos divertiamos a espicaçar a curiosidade e esperteza dos outros.
Gosto de voltar uma e outra vez a esta imagem da cebola, e a esta busca de nós próprios, ao EU que se esconde por detrás de todas as cascas que vamos retirando.
Leio o romance de Günter Grass que tem precisamente como título "Descascando a Cebola". O autor procura nas várias camadas da cebola o registo das suas memórias de guerra. Diz a certa altura: "Ao descascar da cebola, os olhos ficam marejados. Assim se turva aquilo que, com a vista límpida seria legível".
Muitos de nós temos esta experiência da cebola e das lágrimas, quer no sentido real, quer no sentido simbólico. Dói descascar a cebola! Deparamo-nos com ranhuras, com feridas por ventura fechadas em falso, porque não sangraram o suficiente ou porque, a certa altura preferimos tapá-las com medo de sofrer. Memórias dolorosas bem guardadas debaixo de camadas e camadas. Estilhaços de granadas cravados na nossa carne, que teimam e trazer-nos, em permanência, a memória das nossas guerras.
Às vezes pergunto-me se algum dia chegaremos ao coração da cebola! Não sei. Só sei que eu continuo descascando...O bom deste descascar é que também por lá vão aparecendo memórias e registos dos mometos festivos. Esses, são os degraus, são os apoios de que necessitamos para continuar a busca. São eles que ajudam a secar as lágrimas e continuar am frente. Pelo caminho, vamos encontrando novas guerras e novos registos se vão gravando. Só que vão sendo cada vez mais suaves, até porque as cascas exteriores são mais duras e de mais difícil registo.

Saturday, March 29, 2008

CÉU DIÁFANO...

Na minha caminhada matinal de hoje fui observando a natureza, porque no meio da natureza caminhava. Tudo me falava da novaestação do ano em que entramos - a Primavera. Os pássaros já aí estão todos. É um coro de chilreios. O verde, o verde imenso já dá lugar ao desnudamento do Inverno. A flores, ah! as flores, essas exibem com ousadia o variado leque das suas cores. E o céu, estava, esta manhã, de um azul diáfano, transparente, onde apetecia mergulhar.
O meu coração foi agradecendo esta explosão de vida, foi agradecendo a vida que me permite contemplá-la.
Conhecendo e amando os países tropicais, onde tudo é cor e luz, penso que lhes falta este ritmo do tempo que nos faz morrer um pouco com o Outono e Inverno e reviver com a Primavera e o Verão. Gosto desta alternância à qual o nosso próprio organismo se vai habituando.
Alguns dizem que esta época do início da Primavera é susceptível de provocar depressões e ansiedades nos mais vulneráveis. Não entendo bem porquê se tudo nos convida a uma vida mais abundante. Talvez o nosso organismo seja como a semente que sofre,e sofre até à morte para dar origem a uma nova planta...Sim, talvez esta passagem do Inverno para o Verão exija um esforço tal, que alguns terão de ir devagarinho, exactamente como a semente. E passar por algum sofrimento. O mistério da vida, o mistério da natureza que está por toda a parte!

Friday, March 28, 2008

DESEJOS

Hoje, inspira-me um poema da minha amiga Marta Dutra, uma açoreana linda, apaixonada pela Medicina Tradicional Chinesa, que acaba de ver publicado o seu primeiro livro de poesia, "VAGO - o OLHAR":

São tão perecíveis os desejos
desfiam-se em surdina
ao longo do meu corpo
para alimentar uma flor-de-lis
plantada à beira rio
lá prós lados do impossível.

Somos seres de desejo, sinal da nossa incompletude, sinal da nossa insatisfação, sinal do nossa necessidade de plenitude. É como se tivéssemos nascido incompletos. É como se durante toda a nossa vida outra coisa não fizéssemos do que aspirar a mais. Desejamos sempre tanta coisa! Desejamos ter uma casa boa e talvez outra melhor quando me cansar desta, desejamos um bom carro, desejamos um bom emprego que nos dê muito dinheiro, desejamos, desejamos....E depois, no plano espiritual desejamos ser felizes, desejamos ter paz, desejamos viver de bem com todos, desejamos tanta coisa! E lá dentro sempre aquela insatisfação de que ainda não chega...Nunca chega, quer no plano material quer no plano espiritual.
Tanta coisa poderíamos dizer a propósito desta insatisfação que nos mina! Alguns só se sentem minados pelas aspirações materiais. Nunca se sentem satisfeitos com aquilo que têm. Se um dia parassem para perceber a sua insatisfação, talvez chegassem àquela outra insatisfação, aberta aos valores espirituais, ao infinito. E, neste plano, a tal insatisfação até pode ser saudável desde que não gere ansiedade...É uma insatisfação que me conduz ao centro de mim para aí descobrir tudo o que trago lá dentro desde o meu nascimento e que quer ser actualizado. Essa, se não for excessiva dá-me paz e dá-me a tal sensação de plenitude à qual, no fundo, todos aspiramos.
Os orientais, os busdistas, lutam por anular o desejo porque, segundo eles, é fonte de sofrimento. E têm alguma razão. Mas, também Buda teve pelo menos o desejo de não ter desejo. Logo, o desejo é, ao que parece, inerente à nossa natureza e fonte de progresso material e espiritual.
Obrigada, Marta por me proporcionares esta reflexão.

Wednesday, March 26, 2008

PENSAMENTO DO DIA


"Não se descobrem novas terras se não se estiver disposto a perder a costa de vista durante muito tempo" . (André Gide)

Tuesday, March 25, 2008

MONOLOGANDO...

Por estes dias dei uma saltadinha ao "interior" (do nosso país, claro). É impressionante como esse interior fica tão perto! A uns escassos 60-70km da costa deparamos com uma realidade que nada tem a ver com a agitação das gentes mais próximas do mar. O ritmo de vida das aldeias serranas é incrivelmente parecido com o das aldeias de há uns 50 anos atrás. Gente sem pressa, agarrada à terra e vivendo da terra, passeando pachorrentamente os seus gados, carregando um molho de erva ou de lenha, percorrendo caminhos e caminhos a pé. Olham admirados para alguém estranho que passa, como se não estivessem habituados a obervar rostos, diferentes daqueles com que se cruzam no dia-a-dia.
E fico-me a pensar neste estranho mundo em que vivemos: uns, lidando com as mais avançadas tecnologias e sem quase poderem passar sem elas, outros mal sabendo lidar consigo próprios, mal sabendo interpretar uma simples factura, uma simples receita médica, um discurso televisivo! Há ainda um apego ao passado, não só às tradições mas também à forma de fazer as coisas que, até certo ponto, impede a abertura a outros horizontes. Sobretudo para os mais idosos, tudo tem de ser feito exactamente como se fazia no tempo dos avós ou bisavós...Vive-se uma espécie de eternidade.
Alguns elogiam esse género de vida. Eu não consigo. Dou-me conta do desconforto, da falta de condições para uma vida condigna, da penúria material e sobretudo cultural, das doenças e da falta de cuidados médicos mais acessíveis e, francamente, não consigo sentir-me bem a elogiar o sossego da vida das aldeias do interior. Como eles dizem, "aquilo é bonito para uns dias, porque, para os que lá vivem, é mais a dureza do que a beleza".
E foram estas algumas das "meditações" que me passaram pela cabeça, nuns dias de tanto frio que quase nem era possível pensar!

Monday, March 17, 2008

PÁSCOA



Ainda ontem era Quaresma! Aliás, formalmente, continuamos em Quaresma...Mas, pouco a pouco, tudo nos vai falando de PÁSCOA. E Páscoa, é Ressurreição, é Vida Nova, é olhar novo, é mudança, é encantamento... como se víssemos o mundo pela primeira vez. Páscoa é, de facto, uma nova criação!
Um dos meus poetas preferidos é Miguel Torga. E, por isso, fui espreitar a sua inspiração para a Páscoa. E aí vai o que encontrei:
PÁSCOA
Um dia de poemas na lembrança
(Também meus)
Que o passado inspirou.
A natureza inteira a florir
No mais prosaico verso.
Foguetes e folares,
Sinos a repicar,
E a carícia lasciva e paternal
Do sol progenitor
Da primavera.
Ah, quem pudera ser de novo
Um dos felizes
Desta aleluia!
Sentir no corpo a ressurreição.
O coração
Milagre do milagre da energia,
A irradiar saúde e alegria
Em cada pulsação.
Para todas e todos uma PÁSCOA BEM FLORIDA DE PAZ E ALEGRIA.

Saturday, March 15, 2008

PRECE



Ontem, quando procurava nos meus cadernos algo de que precisava, encontrei uma prece não assinada, mas muito bonita. Estava organizada com gosto num pequeno papel colorido. Não estava assinada e eu não consegui lembrar-me onde nem quando a tinha apanhado. O certo é que, ao relê-la, decidi adoptá-la e, já agora, partilhá-la, neste final de Quaresma, com os meus e minhas leitoras/es. Aí vai, então:

No silêncio
A abertura e o dom
Que transfiguram o presente
E tornam presente o outro,
Num olhar diferente.

No oceano, de mãos abertas,
A água a correr através de mim.
Fazer parte do mar,
Das correntes, da brisa,
Aí, onde Deus habita,
No fundo do coração,
O Deus da proximidade,
O Deus presente,
No presente, na eternidade,
Na densidade do instante.


Monday, March 10, 2008

VOLUNTARIADO

Há alguns meses atrás inscrevi-me no grupo do Voluntariado Prisional. Algumas reuniões de preparação, um primeiro contacto com a Direcção do Estabelecimento Prisional...E a coisa tinha ficado por aí. Aguardei serenamente o evoluir das coisas...
Há duas semana fui convocada para uma nova reunião, desta feita para preparar o Dia Internacional da Mulher. Esta Prisão que assistimos é mista, embora o número de mulheres seja reduzido. É uma cadeia de passagem, dizem-nos, onde há apenas prisão preventiva. Tenho dado por mim a pensar em quantas coisas tenho aprendido neste domínio, que me era totalmente desconhecido!
Então, preparámos o Dia da Mulher. Alguém já mais experiente tomou as rédeas e sugeriu, como trabalho aglutinador, o FABRICO DO PÃO, já porque é um trabalho tipicamente feminino, pelo menos para a mulher tradicional, já pelo rico significado do pão como alimento material e espiritual...Todo o grupo achou a ideia interessante e pusemos mãos à obra. Depois de tudo convenientemente preparado, e já na prisão, as coisas foram acontecendo como previsto - história do Dia da Mulher, história do pão e do seu fabrico, o texto bíblico de Rute que gira à volta do pão e de Belém que significa mesmo casa do pão, canções alusivas ao pão, e...fabrico do pão. E foi ver o interessa daquele punhado de mulheres que seguiam tudo com atenção, participando e colaborando nas diversas propostas.
Do trabalho de todas, resultaram 15 pequeninos pães que partilhamos à hora do lanche. Pessoalmente, surpreendeu-me a abertura daquelas mulheres, a sua disponibilidade e colaboração. A prisão só o pode ser de liberdade de movimentos. O espírito continua livre. E nesta liberdade espiritual, acontecem caminhos de regeneração, caminhos novos na linha de uma cidadania mais consciente e responsável. Para todas as MULHERES que os caminhos escuros da vida levaram a terem de experimentar situações tão duras como é a de estar privada da sua liberdade, o meu abraço de mulher-irmã que quer estar com todas, sobretudo com as que sofrem.

Tuesday, March 04, 2008

PENSAMENTOS

Hoje, apenas alguns pensamentos "poderosos" com que também me vou alimentando.
"Nem tudo o que pode ser contado conta e nem tudo o que conta pode ser contado" (Einstein)
"Não corras atrás das borboletas. Plante uma flor no seu jardim e todas as borboletas virão até ela" (D.Ethers)
"Não encontramos a sabedoria só porque a procuramos; ela desabrocha como resultado de muitas acções". (Bert Hellinger)

Sunday, March 02, 2008

MINHA MÃE...

Estamos a meio de um tempo a que os cristãos chamam QUARESMA - tempo de revisão e de crescimento espiritual. Tempo em que cada um é convidado a voltar-se para dentro de si e perguntar-se, com a verdade possível: O que não vai bem em mim? O que tenho e devo mudar? Tempo em que cada um é chamado a colocar-se diante da Cruz e perceber a salvação que dela nos vem. Tempo de renovação acompanhando a da natureza que está aí, por todo o lado, como uma promessa de vida. VIDA NOVA, quer dizer renovada. E renovada ano a ano incansavelmente, incessantemente....
Por estes dias, chegou-me às mãos um poema bem velhinho. Li-o pela primeira vez nos bancos da escola, já lá vão mais de 50 anos...É de João de Deus e ainda hoje me enternece. Aí vai, porque tem a ver com a tal CRUZ que domina e orienta todo este tempo:

- Minha mãe, quem é aquele
Pregado naquela cruz?
- Aquele, meu filho, é Jesus...
É a santa imagem dele!

- E quem é Jesus? - É Deus!
- E quem é Deus? - Quem nos cria,
Quem nos manda a luz do dia
E fez a terra e os céus;

E veio ensinar à gente
Que todos somos irmãos
E devemos dar as mãos
Uns aos outros irmãmente.

Todo amor, todo bondade!
- E morreu? - Para mostrar
Que a gente, pela Verdade
Se deve deixar matar.

João de Deus

Enternecedor este diálogo entre mãe e filho! Está aqui toda a teologia, e toda a teoria de discursos bem falantes. Só nos resta ajoelhar, contemplar e tirar as nossas lições de amor, de entrega, de vida.