GENTE QUE QUER CRESCER

Friday, March 19, 2010

BEIJOS

Não sou particular apreciadora do estilo dos livros de Lobo Antunes. Mas gosto imenso de ler as crónicas que todas as semanas escreve na Visão. Acho-as uma delícia de ternura e humanidade, por onde sinto passar a alma do autor. Na da semana passada escrevia o seguinte:
"A minha mãe diz que na altura em que eu era bébé lhe doía a boca de me dar beijos. Não me lembro deles mas alguma parte minha deve ter saudades desse tempo porque sinto a falta de qualquer coisa que não sei exprimir, qualquer coisa leve e doce, um contacto, palavras, cheiros, uma espécie de ninho de que eu fosse o ovo feliz, um ovozito de nada, pintalgado, minúsculo".
Também a minha experiência se aproxima da deste homem, um gigante da nossa literatura. Um dia, quando a minha mãe já era bem idosa, disse-lhe quase em tom de queixa: "Não me lembro dos seus beijos, quando era pequenina". Resposta pronta dela: "Ó filha, dei-te tantos beijos!"
E fico a pensar: Porque não me lembro, porque não se lembra o autor da crónica da Visão, dos beijos da nossa mãe? Porquê essa saudade do ninho, essa espécie de buraco que fica em nós, essa fome de ternura, de toque, de carinho, eternamente insaciável? E há solução, ou temos de nos resignar a viver com isso? Gosto de repetir que "só o amor é que cura". Pelos vistos, o que as nossas mães, com toda a sua boa vontade nos deram, não foi suficiente. Mas algum ficou cá, porque cada um de nós é capaz de dar amor, a si e aos outros. E cada um de nós e capaz de receber amor...

2 Comments:

  • At 3:59 PM, Blogger Isabel said…

    Também não me lembro dos beijos da minha mãe como gostaria,como deveria, estou em crer. Mas tenho a certeza de que o ninho é preciso ao longo de toda a vida e vamos encontrando formas de o ter quando precisamos. Parece-me haver pessoas sem ninho que ficam de mal com a vida, consigo e com os outros e são amargas,mas também deve haver muitas pessoas que são uma eterna dádiva e encontram o carinho em dobro, em triplo, sei lá, no agradecimento, ainda que não expresso, daqueles a quem ajudam, a quem se dão.
    Também as mães se queixam ou sentem que os filhos não lhes dão os beijos e mimos que gostariam de receber quando estes se preparam para sair do ninho na sua autonomização desejável e inevitável, mas o seu coração é tão grande que a felicidade dos seus lhes traz o conforto mais querido.
    Tudo isto é claro que em doses q.b., porque o abraço, o beijo, o sorriso, a palavra doce, a festa no cabelo, aos 8 ou aos 80 são a essência do equilíbrio afectivo. Não creio que se possa viver bem só dando. Que todos tenham amor para dar, curar e receber.

     
  • At 3:38 PM, Blogger Ilda Fontoura said…

    Quantas pessoas sem "ninho" vão vagueando por este nosso mundo, "sem eira nem beira", como se costuma dizer!
    Não sei se haverá muitas pessoas que tiveram todo o amor e carinho de que precisavam para crescer duma foma equilibrada e harmoniosa. Não é que os pais, ou alguém, não o tivessem dado, só que, ao que parece, não foi suficiente. Daí que também as mães se queixem da falta de que sentem do carinho dos filhos. Se eles não registaram o que lhes foi dado, também não sabem dar. E não temos de nos culpabilizar por isso.

     

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